Liberdades de expressão.
Corria o ano de 1976, não me lembro da data exacta, teria nove ou dez anos, estava na 4ª classe e todos tínhamos os nossos heróis. Longe de super-homens, “transformers”, e aranhiços poderosos, o nosso era o pai do Bernardo. Oficial do extinto COPCOM. A revolução ainda estava na rua. Otelo e os seus comparsas eram referências para nós.
Ao que parece, havia algumas pessoas com poder que não pensavam do mesmo modo e o pai do Bernardo “foi dentro”. Se ele era grande ainda se tornou maior! Era um verdadeiro anti-fascista! Um mártir da causa revolucionária e, mesmo sem o conhecer pessoalmente, enchíamos a boca quando falávamos do “pai do Bernardo!...”
Um certo dia, o Bernardo chegou à escola mais contente do que nunca. O pai ia ser solto! A revolução voltava a ganhar pontos e após alguns dias recebemos o tão esperado convite: Venham lá a casa conhecer o meu pai!
Nem queríamos acreditar! Aqueles tempos eram mágicos e tudo era grande.
Bem... e se ele era grande! E mesmo sem farda tinha a imponência de um oficial superior. Do alto do seu “metro e muito”, dirigiu-nos algumas palavras simpáticas a um grupo de pirralhos que rente ao chão ouvia sem entender nada.
Quando o “pai do Bernardo” saiu da sala, voltámos às brincadeiras próprias da idade e entre guerras e histórias de faz-de-conta o Bernardo disse algo bem real: O meu pai deixa-me dizer CARALHO!
Boca aberta de espanto, o Lima, o Rebelo, o Manita e eu. Era impossível! A liberdade estava a passar por ali. Aquela palavra proibida que nos transformava em homens tinha sido dita e era consentida pelos ”grandes”. Ao ver uma certa incredibilidade, o Bernardo, e apesar dos nossos conselhos, chamou o pai e lá veio ele.
A porta abriu e nós trememos. O homem ainda parecia maior. De voz esganiçada o Bernardo perguntou: Ó pai! Posso dizer CARALHO?
Não me lembro bem, mas acho que nos encolhemos ainda mais no chão, certamente alguns fecharam os olhos ou rezaram para não estar ali, e para espanto de todos ele disse: Podes, meu filho.
O Bernardo pôs-se de pé, olhou o pai nos olhos e vociferou:
Ó PAI! VAI PARA O CARALHO!
O oficial manteve a compostura de cavalheiro, não escondendo um certo incómodo e o Bernardo repetiu:
Ó PAI! VAI PARA O CARALHO!
O homem fervia e nós tremíamos.
Bem Bernardo, já chega! Disse o pai já com um ar colérico.
E o bernardo disse novamente:
Ó PAI! VAI PARA O CARALHO!
Quase sem dar por isso, nós, os quatro amigos, fomos delicadamente postos na rua. Não descobrimos o verdadeiro valor da liberdade, mas pela cara do Bernardo ele foi pesado.
1 Comments:
muito boa!
conta mais, conta mais!
blimunda
10:31 da manhã
Enviar um comentário
<< Home