29 maio, 2005
A Pulga
Esta é a Pulga!
Para quem já conhecia o gato, aqui fica a gata.
Al-mouthamid, o gato, tinha menos de um ano e precisava de companhia. Passamos muitas horas fora de casa e o pobre bicho ficava sozinho. Enveredámos, mais ela que eu, por cibervias em busca de uma gata, e num mail com graça encontramos a Pulga.
Numa casa em frente ao Alfeite, a pulga, ainda sem nome, vivia com a mãe, os irmãos e o pai. Devia gostar muito do progenitor, pois afiava os dentes na cauda dele e aquele pequeno ser que cabia na palma da mão caiu-nos no gato e no goto.
Notícia versus Serviço.
Largo do Caldas, 5 da tarde.
Mais uma reportagem daquelas que dispenso. Ouvir o novo líder do PP acerca do deficit. Estacionei quase à porta e quase à porta estava a verdadeira notícia. O deficit estava na rua, deitado, no chão e tinha o rosto de uma senhora de idade. Enquanto tirava a câmara e o resto do equipamento os meus olhos não descolavam daquela mulher que dormia no passeio. As ordens eram claras e estavam gravadas na folha de serviço – Conferência de Imprensa do Líder do PP.
Fechei a porta do carro e disse à Sandra: “Acho que estamos a passar ao lado da notícia…”, ela estava a pensar no mesmo e eu ainda hoje penso nisto.
28 maio, 2005
"Peter Fault"
Foi numa tertúlia nocturna no Trianon, que pela primeira vez ouvi falar no Peter. No meio de tanta cerveja e discussão pseudo-académica, pseudo-intelectual, pseudo-política ou pseudo-outra-coisa-qualquer, o meu amigo Engenheiro, titulo académico adquirido logo no primeiro dia de faculdade, referiu-se ao “Princípio de Peter”. A ignorância estava estampada no meu rosto. Provavelmente havia mais como eu, mas naquela mesa coberta com copos vazios só eu tive a coragem de perguntar ao meu amigo Engenheiro: “Ó Lourenço,” (só eu é que o trato assim), “quem raio é esse Peter?”
O meu amigo Engenheiro bebeu mais um gole de cerveja, olhou para mim com o seu ar doutoral e disse:
“Ó, ó, ó, ó Zé...”, (ele é um pouco preso da fala), “...tu nanananaão sabes o que é princííííípio de Peter?”
Anuí com a cabeça porque o álcool não permitia mais.
A explicação não podia ser mais clara! Homem de uma cultura elevada, o meu amigo Engenheiro tinha em casa um livro de cartoons da autoria de Augusto Cid, cuja personagem principal era inspirada num ex-presidente da república e rezava qualquer coisa assim do género:
“Quero agradecer ao General Tal e Couves por me servir de inspiração para este livro e por ser um exemplo vivo do Princípio de Peter:
Um Major soberbo
Um Coronel medíocre
Um General obsoleto!“
Fiquei esclarecido. A tertúlia continuou noite adentro e naquele ano de 1991, no meio de tanto álcool, dizíamos coisas absurdas como “Um dia o Santana vai ser Primeiro-ministro!”
Infelizmente, sinto-me um visionário, um verdadeiro adiantado mental.
Mas escrevo hoje em honra e memória de todos os Peters que conheci e passaram pela minha vida. Trabalho há 18 anos na mesma empresa, a fazer precisamente a mesma coisa desde o dia em que entrei e, ao contrário de muitos, ainda não tive a oportunidade de provar que posso ser um potencial Peter.
Pior para eles!
Lembro-me de uns quantos. Trabalhei nove anos na cidade dos “Estudantes-Doutores”, fábrica nacional de embriões políticos e afins. Geograficamente bem situada, os Peters formados na Lusa-Atenas, espalham-se de forma uniforme por todo o Portugal, portanto não é anormal dar de caras com um ex-brilhante estudante numa Administração Pública, no Parlamento, numa Secretaria de Estado ou, pior que tudo, num Ministério.
Mas isto tudo para dizer que estou desiludido e cansado deste “Petersgal”onde só a mediocridade vence, sendo a inteligência e o engenho relegados para segundo plano.
Quem sabe não é preferível viver na ignorância e julgar que o Princípio de Peter é o primeiro copo de gin tónico num bar açoriano.
Que seja!
À nossa!
20 maio, 2005
+O Rei foi aos Louros!!!
Entre os implantes mamários da Nadia Comaneci e o saco de ossos da Victoria Beckham (by the way, fiquem desde já a saber que o David está a ficar careca!!!), ficámos a saber que o Rei estava a caminho.
Em Portugal ainda reina a República, mal e porcamente, mas é a única que temos e vamos ter de a aturar. Como tal, encostei-me à parede repleta das dúvidas reais. Nos meus sapatos pretos salto alto a espetarem-me os calcanhares, dei uns passos para trás enquanto a organização formava um cordão com a justificação:
"The King is Coming!"
Despertou um sorriso bem idiota...
"Come on guys, stay against the wall... the King is coming!"
E do fundo das minhas entranhas vocais "soltou-se-me"!
"ELVIS!!! He lives!!"
Uns mostraram um belo sentido de humor por debaixo do smoking e da lantejoula, outros... nem por isso. E se a atenção, momentaneamente, se virou pra mim, rápido se foi. Na carpete vermelha entrava o rei Juan Carlos. Senti-me tão defaudada!!
Rei, rei, só há um!
Grunf...
13 maio, 2005
+Questões Celestes do Anjo Cabo-Verdeano
A questão da Arlinda é bem pertinente e pareceu-me que a dúvida a preocupava de facto... Enquanto vestia a bata azul e apanhava o cabelo encarapinhado, Arlinda, o anjo cabo-verdeano, questionava a ocupação que a esperava no céu: «Será que vou lavar louça depois de morrer?» Eu não tive outra resposta além do riso. E o argumento da minha Arlinda tinha o seu quê de celestial!: «Eles lá na missa não dizem “assim na terra como no céu”? Eu passo a vida a lavar a louça! Depois de morrer também devo lavar!» A Arlinda, o anjo cabo-verdeano, deixou-me sem palavras e sem vontade de riso. Largou a sua preocupação na sala e atacou a cozinha. À espera das suas santas mãos, uma pilha de comida ressequida em pratos e panelas com três dias... Suspirou e atacou-a com água quente. Para a semana sinto a obrigação de lavar cada copinho e talher antes dela chegar...
11 maio, 2005
Old Spy!
Qual James Bond, qual Santo, qual Hercule Poirot ou Colombo.
Os meus sogros deram-me esta micro câmara e vou desvendar segredos guardados na palma da mão!
Esperem para ver!...
09 maio, 2005
Liberdades de expressão.
Corria o ano de 1976, não me lembro da data exacta, teria nove ou dez anos, estava na 4ª classe e todos tínhamos os nossos heróis. Longe de super-homens, “transformers”, e aranhiços poderosos, o nosso era o pai do Bernardo. Oficial do extinto COPCOM. A revolução ainda estava na rua. Otelo e os seus comparsas eram referências para nós.
Ao que parece, havia algumas pessoas com poder que não pensavam do mesmo modo e o pai do Bernardo “foi dentro”. Se ele era grande ainda se tornou maior! Era um verdadeiro anti-fascista! Um mártir da causa revolucionária e, mesmo sem o conhecer pessoalmente, enchíamos a boca quando falávamos do “pai do Bernardo!...”
Um certo dia, o Bernardo chegou à escola mais contente do que nunca. O pai ia ser solto! A revolução voltava a ganhar pontos e após alguns dias recebemos o tão esperado convite: Venham lá a casa conhecer o meu pai!
Nem queríamos acreditar! Aqueles tempos eram mágicos e tudo era grande.
Bem... e se ele era grande! E mesmo sem farda tinha a imponência de um oficial superior. Do alto do seu “metro e muito”, dirigiu-nos algumas palavras simpáticas a um grupo de pirralhos que rente ao chão ouvia sem entender nada.
Quando o “pai do Bernardo” saiu da sala, voltámos às brincadeiras próprias da idade e entre guerras e histórias de faz-de-conta o Bernardo disse algo bem real: O meu pai deixa-me dizer CARALHO!
Boca aberta de espanto, o Lima, o Rebelo, o Manita e eu. Era impossível! A liberdade estava a passar por ali. Aquela palavra proibida que nos transformava em homens tinha sido dita e era consentida pelos ”grandes”. Ao ver uma certa incredibilidade, o Bernardo, e apesar dos nossos conselhos, chamou o pai e lá veio ele.
A porta abriu e nós trememos. O homem ainda parecia maior. De voz esganiçada o Bernardo perguntou: Ó pai! Posso dizer CARALHO?
Não me lembro bem, mas acho que nos encolhemos ainda mais no chão, certamente alguns fecharam os olhos ou rezaram para não estar ali, e para espanto de todos ele disse: Podes, meu filho.
O Bernardo pôs-se de pé, olhou o pai nos olhos e vociferou:
Ó PAI! VAI PARA O CARALHO!
O oficial manteve a compostura de cavalheiro, não escondendo um certo incómodo e o Bernardo repetiu:
Ó PAI! VAI PARA O CARALHO!
O homem fervia e nós tremíamos.
Bem Bernardo, já chega! Disse o pai já com um ar colérico.
E o bernardo disse novamente:
Ó PAI! VAI PARA O CARALHO!
Quase sem dar por isso, nós, os quatro amigos, fomos delicadamente postos na rua. Não descobrimos o verdadeiro valor da liberdade, mas pela cara do Bernardo ele foi pesado.
08 maio, 2005
A Internacional
Já lá vão dois anos e estava no centro do mundo. No 17º andar do hotel Palestina, em Bagdade, por entre morteiradas, vivas a Saddam e a Bush, o João festejava o seu 38º aniversário. O quarto estava repleto de jornalistas portugueses. Festa é festa e a guerra fica para mais tarde. Com o correr das horas aqueles vinte metros quadrados viraram uma verdadeira Babel. Ao se saber da solenidade, o resto da comunidade jornalística residente no Palestina acorreu ao quarto 1742 que nem gato a bofe.
Além da nossa, não sei quantas línguas se falavam lá dentro, recordo-me de uns chilenos, japoneses, alguém do Qatar, uns quantos que nós desconhecíamos perfeitamente e dois Norte Americanos muito orgulhosos dos últimos feitos da sua pátria.
A noite ia longa e nem demos pelo passar do tempo. Perto das 3 da manhã a Cândida disse em voz alta: Não cantámos os parabéns!
Lacuna grave numa festa portuguesa com certeza, é este momento único e inolvidável em que nós, os desafinados do mundo, podemos dar o ar da nossa graça. E nesse preciso instante, ajudado pelo álcool, pus-me de pé e antes de lançar a primeira nota de meter dó, "embebido" pelo espírito de estudante que não fui em Coimbra, sugeri: Vamos cantar os parabéns com a música da Internacional!
Enchi o peito de ar, punho esquerdo ao alto, que nem comício do PC em pleno PREC e lá saiu a canção. Um sucesso digno de qualquer concurso televisivo. O aniversariante ria emocionado enquanto entoávamos esta nova versão. Mas a um canto estavam os dois “Américas” a olhar para nós com ar de terror. Não entendendo uma palavra de português, o que eles viram e ouviram, foi um grupo de perigosos comunistas, a cantar um hino socialista, num país em guerra com a sua amada pátria. Em poucos minutos saíram do quarto para nunca mais voltar. Para nossa sorte a Comissão McCarthy já não existe, mas “eles andem aí”.
03 maio, 2005
Que nem tordos
Que nem tordos!
Não há um mês que não morra um! Outro tio que “bateu as botas” e após os tios vêm os primos, aquela massa familiar em que me incluo. Não que isso me preocupe muito, mas começo a olhar de lado para a tipa da gadanha.
Obrigação familiar levou-me a mim e ao meu irmão até um lugar perdido no centro de Portugal. Pelo caminho nem uma palavra sobre a morte, ou mesmo sobre o tio. Falou-se da vida, das nossas vidas. Nem uma palavra sobre o passado, só o presente e o futuro contam. Telefonemas da mãe, irmã do finado, choviam à medida que nos aproximávamos. Chegámos mesmo em cima da hora. O alívio da senhora era visível. Os filhos dela tinham chegado! Terra intriguista e de gente intrometida, sempre a querer saber o que se passa na casa do vizinho. Mesmo com todos os defeitos inerentes aquela gente, gosto daquele sitio e de algumas pessoas, umas quantas já morreram. Recordo os olhos azuis do Martinho e os verdes da Constância, avô e avó, os dias passados na ribeira e na horta em que se aprendia tanto com quem não sabia ler, da senhora Senhorinha, sempre com um sorriso e um doce na mão e o Valter que sendo o mais novo, foi o primeiro a ir.
Enquanto despejavam terra por cima do tio acabado de finar, eu procurava incessantemente estas pessoas. Começou aqui a minha hierarquização dos mortos, afinal o passado também conta.